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De graça nem injeção na testa

  • Foto do escritor: Tiago Santos
    Tiago Santos
  • 3 de jul de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 15 de nov de 2023


Senhora pedindo esmola na rua

Uma das características naturais de quem é jovem e com boas intenções é a crença de que ajudar as pessoas pressupõe prestar algum serviço gratuitamente. Imbuídos de um espírito de amar o próximo, nós firmamos a convicção de que não só os nossos recursos, mas também os nossos conhecimentos devem ser transmitidos de graça e colocamos essa convicção dentro de um contexto específico de caridade, o qual costumamos chamar de ação social.


Esclareço desde já: nada contra as ações sociais, muito pelo contrário. Mas, quem olha para elas e acha que caridade se resume a isso, está participando, mesmo sem saber, de um grande problema. Eu explico: a maioria de nós precisa de dinheiro e precisa cada vez mais, pois estamos em um país onde os preços aumentam e os salários não acompanham. Temos aí a fórmula ideal para fecharmos os olhos ao nosso próximo: Achar que caridade deve ser somente gratuita versus estar sempre precisando de dinheiro.


Na minha vida, aos poucos, eu fui entendendo a necessidade de desconstruir esse mindset e hoje quero compartilhar com você algumas reflexões e aprendizados.

A primeira coisa é uma necessidade de se ampliar o conceito e o sentido de caridade na sua mente, entender que se trata de algo muito maior do que a esmola ou a ação social. A caridade na bíblia está diretamente relacionada ao amor, aquele amor específico que os gregos chamavam Ágape, o amor para com o outro, sem condições, sem querer algo em troca (guarde isso). É o amor que o Papa Bento XVI descreve como “aquele que procura o bem e a paz para todos os seres humanos”.


Ainda, o termo caridade tem sua origem no latim e está associado a carestia, que quer dizer caro mesmo, com alto preço. Por isso, quando dizemos: “como vai, meu caro?”, estamos afirmando algo assim: “Você vale muito para mim e, por isso, quero saber como você está”.

Aqui temos o ponto ideal para amarrar as coisas: caridade é ter o outro em alto valor e, uma vez fazendo isso, não há como não querer ver o melhor dessa pessoa, ver essa pessoa durar, ajudá-la para a evoluir e se elevar, o que não necessariamente se vai conquistar dando as coisas de graça.


Vou te contar duas experiências minhas:

Certa vez, quando mais jovem, resolvi dar um curso de violão na Igreja. Era 100% gratuito e eu inclusive providenciava, do meu pobre bolso, a impressão das apostilas (sem contar o tempo gasto para prepará-las). Anunciamos o curso por um tempo em todas as Missas, colocamos uma data limite para as inscrições e – adivinha – poucas pessoas se inscreveram. E pior, das poucas pessoas que se inscreveram, somente duas perseveraram até o fim do curso.


Alguns meses depois eu resolvi dar aulas particulares de música. Não cobrava muito, mas também não era de graça. Para resumir, tive mais alunos e por mais tempo que no curso da Igreja, isso com muito menos divulgação.


Essas experiências combinadas me fizeram perceber que as pessoas valorizam as coisas pelas quais elas pagam. Mais do que isso, elas se comprometem mais quando têm que tirar do próprio bolso. Ora! Se a finalidade do curso era fazer com que as pessoas tocassem violão, s sabemos que quem se compromete mais tem mais resultado, eu te pergunto: a quem eu ajudei mais? A quem me pagou ou a quem não me pagou?


A verdadeira caridade não é amar de verdade? E amar de verdade é buscar a melhor forma de entregar valor àquela pessoa.


Mas o que é entregar valor?

Às vezes, o valor que a pessoa precisa é um prato de comida ou algumas moedas. Às vezes, ela precisa mesmo é de uma boa dose de pinga. Sim, é isso mesmo, e quem sou eu para julgar? Você provavelmente bebe às vezes para relaxar, esquecer os problemas, e posso garantir que a sua vida está muito menos pior do que a de um morador de rua. Vai saber o que se passa com aquele ser humano, as dores que ele enfrenta a ponto de precisar da pinga para suportá-las, a falta de acesso a recursos que pudessem lhe conduzir a uma realidade menos dura.


Nessas horas, não nos cabe negar ajuda, comida, água, pinga etc., muito menos cobrar por isso, não é disso que eu estou falando.


Estou falando aqui sobre ressignificar a caridade, um novo jeito de compreendê-la, onde você procura sempre a melhor forma de ajudar aquela pessoa, ajudar de verdade. Se é pela pinga, que seja, mas provavelmente a existirão inúmeras outras ações possíveis.



O famoso “ensinar a pescar”

Você provavelmente é detentor de muitos conhecimentos. Se você trabalha, se tem um ganha pão, alguma coisa você sabe fazer. E se ajudar a disseminar esses conhecimentos e essas habilidades, mais pessoas terão acesso a um ganha pão também, podendo estruturar uma vida mais digna e não precisar mais da pinga para esquecer da triste e cruel realidade que enfrentam.



Nem todo mundo que precisa de caridade está morando na rua

Tem outro ponto também: a caridade bíblica não é somente ajudar os mais pobres. O. Ágape não pressupõe que o outro seja um completo miserável. Entender isso é chave para mudar esse mindset.


Todos nós temos misérias, em menor ou maior grau. Ajudar o seu semelhante a superar uma pequena miséria é uma caridade tão importante quanto dar uma esmola a um mendigo. Ensinar uma habilidade, dar um conselho profissional, mostrar os passos que fez para conseguir alcançar algum objetivo, escrever um e-book sobre algum conhecimento específico, vender algum curso na internet, tudo isso ajuda a transformar muitas das pequenas misérias que as pessoas têm.


Quem espera ter dinheiro para ajudar alguém nunca ajuda. Quem espera ter estabilidade financeira pra se engajar em alguma causa social quase nunca o faz, fica sempre adiando. Que loucura isso, esperamos ter estrutura para nos engajar em uma causa grande, sendo que não conseguimos nem ajudar o mais próximo dividindo o conhecimento que a gente tem.


A caridade não precisa ser gratuita, mas precisa ser genuína

Agora eu volto ao ponto inicial, sobre a gratuidade. Acho que depois de ter explicado meu ponto de vista posso te dizer, sem medo de causar escândalo, que você será mais caridoso com a maioria das pessoas se cobrar delas. Perceba que não é sobre cobrar para ganhar ter lucros injustos, é sobre cobrar para mostrar a ela que aquele caminho que você ensina tem valor, requer esforço, pois promove transformação. Cobrar para ensinar o valor da conquista.


E se esse dinheiro que entrar ajudar no teu justo sustento, é muito bem vindo. Se ajudar a te estruturar para ajudar mais pessoas, Glória a Deus.


Você pode estabelecer um valor simbólico, pouquinho mesmo, algo que demande um esforço para pagar, mas que seja alcançável. Você não explora, não quer receber montanhas de dinheiro em troca (lembra disso lá em cima?), apenas cobra um valor que ensine que tem algo maior e mais valioso ali. Isso é o mais importante.


Portanto, não tenha medo de empreender e muito menos de cobrar pelo valor que você gera. Tem gente que não vai poder pagar no começo, mas se quiser mesmo vai se esforçar e fazer o máximo para conseguir. E tem que ser assim, pois se não for, não se engane, essa pessoa não iria se esforçar para promover a autotransformação que o seu conteúdo promove, nem se fosse de graça.


Ressignificar o conceito de caridade é, portanto, uma descoberta sobre a dignidade da pessoa humana, que mora justamente no lugar em que ela pode construir sua própria história de conquista e superação.

 
 
 

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